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6.4.06

Tristes lembranças de circo


A morte de Carequinha, o palhaço que animou minha infância, me fez lembrar de uma grande tragédia que eu não vivi, mas vivenciei plenamente e até mesmo, durante um certo tempo, carreguei alguns medos, emprestados de um trauma coletivo que sempre ouvi por entre histórias e lembranças alheias.

O incêndio do Gran Circus Norte-Americano, em Niterói, dezembro de 1961, povoou de tragédia uma instituição que tem por objetivo despertar a alegria. Das 2500 pessoas que assistiam ao espetáculo vespertino, 317 morreram e cerca de 500 ficaram feridas, sendo que 120 mutiladas. Era a primeira vez que um circo de tão grande porte chegava à cidade, trazendo inclusive animais selvagens, uma novidade para a época. E, durante bons anos subseqüentes, foi também a única vez.

O Cemitério São Miguel, em São Gonçalo, o mesmo onde agora foi enterrado Carequinha, foi construído às pressas, exclusivamente para dar conta das vítimas. O Serviço de Queimados do Hospital Antônio Pedro, idealizado e organizado pelo cirurgião plástico Ivo Pitanguy, também surgiu nessa ocasião e foi para onde as vítimas foram levadas. O famoso Profeta Gentileza, que pregava a paz e a gentileza entre as pessoas, surgiu porque o empresário José Datrino, seu nome verdadeiro, ficou profundamente abalado com a tragédia, e para Niterói se mudou, largando a empresa e a família, a fim de ajudar e consolar os sobreviventes.

Sem dúvida foi um evento que marcou a história de uma cidade e trouxe profundas modificações nas vidas de toda uma geração. Dentre as milhares de histórias vividas, relato aqui algumas que sempre ouvi - talvez as mais brandas. Meu pai, por exemplo, à época um menino de 10 anos, cresceu com pavor de circo. Ele não estava lá, por sorte seu pai tinha prometido levar a família na sessão noturna daquele mesmo fatídico dia, e por isso ele escapou, por questão de horas. Morador da Rua Marquês do Paraná, sua casa ficava justamente entre o local da tragédia, na Feliciano Sodré, e o Hospital Antônio Pedro, para onde foram levadas as vítimas. Ele viu pessoas correndo em pânico, chamuscadas pelo fogo, pois a correria foi geral pela cidade, com vítimas totalmente desnorteadas. Horas, depois, viu também as pilhas de corpos sendo carregadas em cima de caminhões basculantes, em direção ao hospital. No boca a boca, ouvia-se falar que os animais estavam à solta pela cidade. Pronto, papai ficou um bom tempo sem querer sair de casa, pois era só entrar em seu edifício que via um leão em cima da escada, à espreita para atacá-lo.


O primo de minha mãe estava lá. Tinha ido com vizinhos ou amigos, não me recordo bem, 11 ou 12 anos de idade. Além de dar sorte, foi esperto. Quando a lona caiu, ele pulou a arquibancada e saiu por trás, por baixo da lona. Se perdeu de seus acompanhantes, viu pessoas sendo queimadas, pisoteadas, gritando e chorando. Muito nervoso, só conseguiu chegar até a casa de minha avó, nessa época perto da Alameda São Boaventura e, portanto, do local da tragédia.

Uma vizinha de minha mãe, que tinha uma linda e saudável filha e um filho com síndrome de down, foi com os dois ao circo. Perdeu a menina, mas o garoto se salvou. Ela, porém, nunca mais foi a mesma, chegando ao limite da insanidade, inclusive amaldiçoando por ter ficado com um filho doente e não com a menina.

Enfim, uma tragédia que causou um trauma social e coletivo, abalando muitas vidas e gerações, marcando a história de uma cidade. Um trabalho muito bom sobre o assunto foi feito pelo Laboratório de História Oral e Imagem da UFF. Vale a pena conferir http://www.historia.uff.br/labhoi.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Esse acontecimento foi um dos estertores do Brasil ingênuo de então ... nesses anos de 1960, 61 ... até 64 (infelizmente) o país obrigatoriamente teve que se transformar ...

11 abril, 2006 08:48

 

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